E no princípio havia só Escuridão…

Tal e qual como no Génesis. O que não agoirava um bom começo…
A minha cabeça estava prestes a implodir, tinha enjoos dignos de uma grávida e não me lembrava de como raios tinha vindo parar a casa.
Senti calor ao meu lado… Não era novidade: já se tornava hábito engatar todas as noites uma “caniche” nova… Depois de meia-dúzia de “White Russians”, tudo o que tivesse mais vida que um zombie tinha direito a uma audição privada, com direito a “solo de flauta” e tudo…
Levantei-me aos trambolhões, derrubei tudo o que estava na mesa-de-cabeceira, tropecei na roupa da noite anterior, partiu-se qualquer coisa e não pisei um sacana de um gato porque o cabrão também me tinha abandonado.
Não encontrei o interruptor, por isso dei a custo com as persianas e abri-as: como era de esperar estava um espécime raro no meu leito… A gaja parecia um aborto que tinha corrido mal, mas que teimou em não morrer: admirei a perseverança e a força com que a puta se agarrou à vida, mas reforcei a minha ideia de que o Todo-Poderoso tem um sentido de humor retorcido e detesta mesmo certas pessoas… Deveria haver uma campanha de sensibilização, cujo slogan seria sem dúvida “Se Foder, não Beba”…
Ri-me sozinho e degustei o sabor da minha boca… para além de estar seca como o deserto do Sara, tinha um leve trago a sem-abrigo morto há dias;
Arrastei-me até à “kitchenette”, e do meio da loiça cheia de musgo verde e fungos, consegui retirar, qual Excalibur, um copo que aparentava ter sido usado umas meras seis ou sete vezes…
Bebi água como se ela fosse acabar toda amanhã; em transe, puxei de uma cadeira que estava de patas para o ar, sentei-me e fiquei a olhar para a ave rara, com os olhos encrostados de ramelas, barba por fazer, um taco de Baseball “Rawlings” com um prego na ponta (baptizado com pouca originalidade de “livro de reclamações”) numa mão e um cigarro que nunca chegou a ser fumado na outra…
Tive assim uma boa meia hora, desligado da realidade, até a claridade finalmente conseguir acordar o “Quasímodo”: escusado será dizer que a minha figura a intimidou, mas depois de acontecimentos recentes, não arriscava enfrentar desarmado o humor matinal das convivas…
Vestiu-se à pressa, murmurou um “Tchau, foi muito bom! Telefona-me!” e foi-se embora. Qual autómato, arrastei-me até à porta: fez-se um silêncio desconfortável; ela devia estar à espera que eu a convidasse para aproveitar a erecção matinal, não consciente de que eu já estava sóbrio e o único pau erecto a que ela tinha direito agora era ao “Reclamações” na cachola…
Ia a dizer qualquer coisa: fechei-lhe a porta nas trombas.
Estava num torpor permanente há uma eternidade. A minha vida tinha descambado numa espiral de decadência; não tinha como sair… a família não me podia ajudar… não tinha amigos, tinha-os repudiado a todos…
Todos os homens que haviam sofrido por amor até agora eram uns patetas ignóbeis… que pena ter descoberto da maneira errada que não era mais que os outros. Todos os momentos de sobriedade, cada vez mais escassos e espaçados, eram totalmente preenchidos pela lembrança D’ela, do seu rosto, do seu perfume, da sua textura, do seu cabelo… D’ela
Será que a revista Máxima lhes ensina a serem cabras?!
Tudo piorou…
Quando bati no fundo e só desejava morrer, algo aconteceu… Senti-me atraído por algo, parecia que tinha uma bússola dentro da minha cabeça a apontar para tudo menos para o Norte… Andei dias e dias sem pensar noutra coisa, avassalado por essa estranha obsessão…
Estava sem dúvida a ficar louco…
E um dia parti mesmo… sem rumo…
O meu humilde pé-de-meia levou-me a alguns lugares exóticos, berço de civilizações mais sábias que a nossa… parecia vaguear sem rumo, mas hoje identifico um padrão: Passei por Punjabi, na Índia, viajei por toda a Ásia menor e foi no Japão, a terra dos Samurais, que os encontrei, ou melhor, me encontraram a mim… Duas figuras encapuçadas que me encontraram meio-morto num beco de Osaka. Aparentemente era o Lama da sua religião… ri-me: desde que me dessem comida, era até o rato Mickey! Desmaiei de fraqueza.
Quando acordei, estava num Templo antigo, perdido no tecto do mundo que é o Tibete. Estava tatuado de azul dos pés à cabeça, entrelaçado com padrões tribais dourados que, soube mais tarde, eram símbolos de poder… O meu corpo tornou-se indestrutível e esperavam agora pela metamorfose do meu espírito… Eram uma cabala budista muito antiga, que deambulava por caminhos proibidos… Prometeram-me o mundo e eu aceitei com um sorriso malévolo…
Ao dar “iluminação” sincopada a uma das muitas pupilas que povoam o Templo, escrevo agora isto, para todos saberem como começou… Os gritos de luxúria dela são música para os meus ouvidos. Sou o Mestre, um Deus vivo , um Lama… e apetecem-me Sugos de Ananás…

E assim diz o Mestre…




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